24 horas-haikai: a
Serra do Mar
Palavra
Estes haikais eu os escrevi em 2006, em Mogi das Cruzes (esta
cidadezinha íntima, espécie de periferia paulistana fadada a ser uma pedra no
caminho do Tiête). Eu os hei escritos para meus amigos paulistanos, que não são
24, são menos de; mas enfim, os que sobrarem dedicaria à cidade de São
Paulo (fadada por sua vez a se tornar uma grande periferia em violência e
fragmentariedade). Quem sabe?
Sobre os haikais, eu utilizo o esquema de Schmidt (primeiro verso de 5
sílabas + rima A alfim; segundo verso de 7 sílabas + rima B na posição 2 e 7 do
verso; terceiro verso de 5 sílabas + rima A alfim). Enfim, tentei seguí-lo –
com apenas uma modificação contudo: optei pela contagem espanhola ou italiana de sílabas, porque não interrompe a contagem na última sílaba tônica. A contagem de sílabas é uma
escolha que sempre me escapou um pouco, o esquema espanhol me pareceu
simpático. Escolhi-o, porque ele muda a percepção dos versos oxítonos (quando uma
sílaba fantástica é adida na contagem), dos versos proparoxítonos (quando uma
sílaba é perdida na contagem).
Isto aqui é pura contabilidade, meus leitores, nao leveis demasiado a
sério os numeros, eles mentem.
Minha quimera esta toda pronta: a mudança na contagem faz, todavia, com
que o esquema rímico dos versos varie, o do segundo verso principalmente e
bastante (rima B na segunda e sétima ou segunda e sexta posição; ou primeira
posição e sexta etc...)
Vão os pobres como foram escritos em 2006, com elipses, com apóstrofos
(que a exemplo dos franceses, eu aprecio).
Todo o poder às paisagens!
Lyon, 30 de abril de 2007
Estou incluindo outros haikais nessas 24 horas. Eles são os únicos com outras datas.
Sampiratininga, 31 de março de 458 (2012)
18 horas (morrer)
Fogofátuo?ai!
Nunciand’a mort’ nume?
Vagalume vai
17 horas 59 minutos (faina)
Que’é desta hora?
Faina do tempo lousã
Sol’dão q’s’adora?
14 horas 19 minutos (picada)
Espalm’a mosca
Supino sem carinh’o
Embal’da morta
12 horas 7 minutos (zênite)
cansar-se de ser
cerrar pálpebras, morrer;
perseverar: ver.
Sampiratininga, 30 de março de 458 (2012)
11 horas 33 minutos (rir)
Um nariz ri
Abas voaçantes alçam
demônios vazios
9 horas 14 minutos (water closet)
asco carrasco
scola scarro scorraça-
do'arre damasco!
7 horas 15 minutos (junto à rua)
Chutad’a pedra
Trilha qualquer via; vida
Que segu’e medra
Est’ave’inseto
No’ar ninhos d’florbeijar
Labor secreto
6 horas 40 minutos
(implacável)
rasga'agora'ode'o
cós da noite'stamos'sós
via láctea'xplode
(insurgente)
o que vem após
do cós da cama do caos?
manhã somos nós
(arriscado)
pois encorpora'a
cocaína pó dos pós
tu'húmus das horas
(outro)
rematar o nó:
dá-te-me que nossa'akmé
é d'satar o cós
6 horas 15 minutos (junto ao jardim)
Beijaflor passa
Oscilante’eia!tremulam
Asas fumaça
6 horas 7 minutos (aurora)
Recém vem o dia
Sparram’os cílios de lã
Aurora fug’dia
6 horas 5 minutos (junto da hora)
Reconhecida
Aurora nuvens’xplora
No lago fica
6 horas (junto ao dia)
Veio a matina
Quem troux’te? noite doce
P’la mão menina
2 horas 35 minutos (junto a mim)
Gotas grossas chão
Do céu; caem, saltam, céu
Do chão a d’zer “nãos”
2 horas (chuva)
Veio águ’em pó
Chuva porosa turva
tudo; tudo só
1 hora 15 minutos (través)
Renov’em son’o
Cansaço que não cansa
Primavera d’outono
1 hora 3 minutos (confidência)
Entr’as pálpebras
Uma piscad’arruma
doces lágrimas
58 minutos (rota)
Na cama morre
Findos: sexo’e trabalho
Rotina’em porre
12 minutos (trans)
na cama trança
pernas transam versos, quem
suspira, dança.
4 minutos (gélido)
Balanço do ar
lento, frio, traidor, ávido,
nos cabelos nus.
Sampiratininga, 2 de abril de 458 (2012)
0 hora (esdrúxulas)
Íntima Lástima
Apóstrofe Catóstrofe
Prístin'azáfama
- 35 minutos (cabelo)
Nos cab’los há
O vent’ou o momento
Quem ganhará?
-1 hora (hora extraordinária)
Sem fé Só verde
Tudo lev’a crer No’azul
Tudo lev’a crer
- 1 hora 25 minutos (relance)
Content’um olhar
Dand’ao coração calma
Ensin’a pulsar
- 1 hora 27 minutos (tornozelo)
Tornozelos pés
Lépidas’sculturas
Móbiles da paz
- 1 hora 30 minutos (ela)
A moça dança
S’espalha passa calhe
Pantera mansa
-1 hora 45 minutos (viajante)
leviana senda:
se’o futuro’é’uma culpa’o
passado’u~a pena
- 3 horas 33 minutos (à Adoniran Barbosa)
A mariposa
Cerca’o brilh’estribilha
Nunc’o desposa
- 4 horas 20 minutos (riso)
Dentes resvalam
Sibilos sobios bile
Risos s’elevam
Voa vagalume
Por campos longes tantos
Sec’lar nódoa: luz
Por campos longes tantos
Sec’lar nódoa: luz
- 5 horas 18 minutos (crepúsculo)
Olhando dum’monte
Repouso de nuvens ou
Franjas d’horizont’
- 5 horas 59 minutos (rotina)
Ciclo perfeito
A noit’o dors’açoita
Banh’o dia’o peit’
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